O Clube Atlético Juventus aprovou, com ampla superioridade de seu corpo de sócios, a venda de seu time de futebol e, logo, a constituição da SAF. Foi um processo conturbado e de intenso calor político, mas que não vêm ao caso agora. Sem política, sem julgamentos, sem juízo de valor - o que a casa deseja apresentar são dúvidas e opiniões sobre o futuro, que parcelaremos em alguns posts, iniciando por este.
Considerando que a instituição da SAF é praticamente inevitável para o Juventus, seguindo a solução proposta para os clubes no Brasil, nossa principal questão sempre foi: depois da assinatura do contrato e pagamento dos R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), de onde virão os outros R$480.000.000,00 (quatrocentos e oitenta milhões de reais) nos próximos 10 (dez) anos, prometidos pelo grupo vencedor?
A explicação detalhada de como esses recursos serão captados é algo absolutamente essencial para quem se preocupa com a saúde financeira e a identidade do time de futebol após o término de sua existência como associação.
É pouco crível que essa quantia venha diretamente do caixa próprio das gestoras envolvidas — REAG, Contea ou P&P Sport Management. Essas empresas, por natureza, não colocam capital próprio em grandes volumes em ativos tão arriscados, como é o futebol do Juventus. Seu papel típico, agora sim, é captar dinheiro de terceiros — seja de fundos, investidores qualificados ou do mercado financeiro — e aplicar de forma estruturada.
Diante disso, entendemos que existem três caminhos possíveis para levantar esses quase meio bilhão de reais:
(i) Emissão de debêntures
A primeira forma seria a SAF emitir debêntures no mercado; nessa operação, investidores institucionais (fundos ou bancos) ou mesmo pessoas físicas comprariam esses títulos, em troca de juros ou participação em receitas futuras (como cotas de televisão, bilheteria, venda de jogadores, etc). As vantagens desse caminho incluem agilidade em captar recursos, a possibilidade de estruturar pagamentos futuros sem diluir o controle da SAF e vincular pagamentos de cupons após significativo período de carência. Todavia, há riscos significativos: o mercado exigiria garantias sólidas, como as cotas de televisão, patrocínios ou direitos econômicos de atletas, algo praticamente inexistente hoje - a realidade do Juventus - com receitas modestas e presença em divisões inferiores — tornaria difícil a missão de captar grandes valores só via dívida (debêntures) no momento atual.
E, obviamente, se a SAF se endividar demais nesse cenário, pode comprometer sua própria viabilidade se o plano esportivo não der certo em curto ou médio prazo. No caso da SAF, talvez seria até possível captar uma fração via debêntures, mas chegar ao patamar de quatrocentos e oitenta milhões de reais somente com dívida seria altamente arriscado e insustentável tecnicamente.
(ii) Estruturação de um fundo para captação de recursos
Aqui, provavelmente, o caminho mais claro, especialmente pela experiência das gestoras - elas podem criar um Fundo de Investimento em Participações (FIP) ou fundo privado com a tese específica de investir na SAF. Assim, elas captariam investidores qualificados — fundos de pensão, family offices, fundos de investimento alternativo — dispostos a entrar no projeto em troca de participação societária ou retorno sobre o capital investido. O grande atrativo é que essa alternativa permite levantar recursos de maneira mais estruturada e escalonada (ou seja, o dinheiro não precisa entrar todo de uma vez, mas conforme o projeto avance em suas tranches); além disso, o fundo permite diluir o risco entre vários investidores, algo importante para um projeto esportivo, onde resultados nem sempre são previsíveis. Por outro lado, há exigências claras, que se somam às obrigações legais da SAF: governança rígida e prestação de contas constante.
A REAG, sozinha, possui mais de vinte bilhões de reais sob gestão e ampla carteira investidores, tornando o processo, em tese, mais factível e fluido para alavancar a SAF. Mesmo assim, levantar quatrocentos e oitenta milhões de reais de uma vez seria difícil - o mais provável seria algo entre cem milhões e cento e cinquenta milhões inicialmente e ir escalonado ao longo dos 10 anos do plano. Nessa tese, poderia ser montado elenco para acesso e manutenção na série A1, bem como a (polêmica) transformação da Javari em arena.
Lembrando que há alternativas de FIDC sendo utilizadas hoje no futebol, levantando dinheiro com antecipações de recebíveis, sejam cotas de direitos de transmissão ou patrocínios, sejam futuros valores de receitas de venda de atletas - entretanto, o clube hoje passa longe de ter valores (ou valores significativos) em ambas as frentes.
(iii) Abertura de capital (IPO)
Outra hipótese seria a SAF abrir capital na bolsa (B3), vendendo ações ao público e levantando recursos para investimento. Em tese, isso poderia gerar grande volume de caixa, além de aumentar a visibilidade e a transparência do clube, devido a todo o processo exigido para abertura de capital. Entretanto, hoje isso é inviável para o clube, por razões claras e objetivas: um IPO é extremamente caro e demora, no mínimo, de 12 a 18 meses para ser preparado; e, além disso, exige histórico financeiro sólido e receitas estáveis — o que o Juventus, hoje na base das divisões do futebol paulista e sem grande exposição nacional, simplesmente não possui (além de ser um novo CNPJ).
Assim, abrir capital seria uma possibilidade apenas para o futuro, quando a SAF já estiver na Série A do Brasileiro, com receitas robustas, altos contratos de televisão e valuation consolidado - e além de tudo isso, o próprio mercado de capitais brasileiro estar maduro para esse tipo de ativo.
Então...
Nossa visão é a seguinte:
A promessa de R$480.000.000,00 (quatrocentos e oitenta milhões de reais) para o futebol dificilmente virá de dinheiro próprio das gestoras. A forma mais viável deverá ser estruturar um fundo (FIP) dedicado à SAF, complementado, se necessário, por emissão de dívida (debêntures) em valores menores. Esse cenário é plausível pela experiência das gestoras nesse tipo de operação, de estruturação de fundos de longo prazo (que venham a público ou não). Além do que, não necessariamente todo o montante prometido viria daí, visto que ao longo do tempo, se o plano esportivo se concretizar, serão geradas receitas que, naturalmente, serão reinvestidas no clube.
Hoje, a SAF foi aprovada sem divulgação pública do que será feito, sem as garantias do aporte, sem as garantias de condições precedentes para cada investimento. Como torcedor (e sócio) esperamos um trabalho firme na estruturação contratual da venda e que, sobretudo, tudo seja feito com a devida transparência e honra à história centenária do clube.
No momento, toda a operação, na nossa visão, é um grande risco sem respostas para o futebol.
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