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sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Contrato Social

Já vou de logo dizendo que não se trata nem de longe de qualquer análise da belíssima obra de Jean-Jacques Rousseau, de mesmo nome, “O Contrato Social”. Sendo assim, e quebrado o encanto que o título propõe, contamos que o leitor persista na vontade de seguir nestas palavras. A ideia deste texto surgiu após uma série de simples eventos e de um trânsito gigantescos na Rebouças. Entre os eventos, assistindo à “The Big Bang Theory”, uma ida ao cinema e a uns jogos de futebol.
Antes, apesar de não falarmos de Rousseau, não custa citá-lo brevemente. “O Contrato Social” trata-se de uma crítica ao regime vigente, o Absolutismo. A crítica não se faz diretamente, mas por meio da apresentação de uma nova forma de organização política, uma nova constituição do Estado, sob a luz do próprio poder, liberdade, religião, organização social e outros temas “censurados” à época. Promove uma outra dimensão ao povo esquecido e mazelado, colocando na mão do corpo político seu poder maior – as eleições. Feita essa digressão, apresentaremos agora um contrato social de dimensões muito menos importantes, mas também interessantes.
Começamos pela frase de Sheldon Cooper, personagem de “The Big Bang Theory”: “Você tem que checar suas mensagens, Leonard. Deixar uma mensagem é uma metade de uma formalidade, que é completada quando se ouve a mensagem. Se esse contrato é quebrado, então todos os contratos sociais são quebrados e nós chegaremos à anarquia”. Aparentemente boba, a frase faz total sentido. Uma carta tem origem e destino; admitindo que a primeira parte sempre seja feita, a intenção da carta – transmitir uma mensagem –  só é cumprida após concluída a segunda etapa do processo; ou seja, sem firmadas ambas as partes do “contrato social”, o vínculo se rompe e há o total esvaziamento do sentido da carta.
Ir ao cinema, ao circo ou ao teatro exige um novo tipo de contrato. Você compra o espetáculo esperando a garantia de qualidade e satisfação após passado o evento. Para tanto, você se protege com certas “cláusulas”, entre elas, a leitura de boas críticas ou a recomendação de amigos. Dessa forma, garante-se a certeza de que os lados do contrato cumpram sua palavra – quem oferece o espetáculo garante a qualidade e o espectador retorna financeiramente o primeiro. Logo, estando ambas as partes devidamente protegidas e certificadas, está feito o “contrato social”.
Mas o futebol, de quem nos sentimos à vontade para falar, tem que ser diferente de tudo. A ida ao campo é sempre surpreendente e imprevisível. O contrato assinado aqui não garante nunca a aprovação do “contratante”, nem se tratarmos de um Barcelona. Neste caso, o “contratado” pode não oferecer o que dele se espera e não há como se fazer nada para reverter o panorama – nem receber seu dinheiro de volta, nem prestar queixa por propaganda enganosa. Pode-se, sim, vaiar, xingar, gritar – no estádio, não há lugar para o sofrimento calado, para choro contido, para “politicamente correto”. De cara, a diferença dos espetáculos citados parágrafo acima: aqui, você não compra o espetáculo com garantia de qualidade e satisfação após passado o evento. Daí, seja talvez o porquê do quão apaixonante é o futebol.
Além disso, mesmo quando se considera satisfeito por um jogo, não há fórmula óbvia. Explico. Ao ver uma comédia, mede-se o grau de aprovação pelos risos; num romance, pelo choro talvez; num terror ou suspense, pelo número de sustos; num musical, pelas notas bem tocadas e agradáveis. Mas no futebol…ah, no futebol. Caso seu time ganhe por goleada, a alegria é total, os jogadores jogaram bem, o camisa dez é craque. Se for aquele 1×0 no último minuto, o time é raçudo, tem brio, amor à camisa. Não precisa da vitória somente; buscar aquele empate em 2×2 depois de tomar dois gols no começo do jogo. Pra falar a verdade, não precisa ser nem gol. Quem já não se viu comemorando um carrinho, um desarme, uma grande defesa de seu goleiro. Às vezes, uma bola na trave incendeia mais do que um gol. Ou não?
Há vários modos de se vencer um jogo. Na técnica, no ataque, na retranca, na raça, por 1×0 ou por 6×0. Há vários modos de vermos um jogão. Neste mês de Julho, tivemos os dois jogos do ano. Santos 4 x 5 Flamengo. Argentina 1(4) x (5)1 Uruguai. Qual jogo foi melhor? Para mim, o segundo, jogo da Copa América. Claro, o primeiro foi genial. Craques de verdade em campo, em plena forma, muitos gols, altos dribles – uma ode ao futebol romântico. Entendo que 99% das pessoas escolha essa partida como melhor. Pra variar, sou o 1%. O clássico do Rio da Prata teve muita história e tabus em campo, a estima de duas sociedades aos seus ídolos, a iminente consagração de uma geração charrua versus a tentativa do primeiro título profissional do melhor do mundo por sua seleção. Um jogo que um menino tomaria a decisão de continuar menino ou se tornar homem. Toda a vontade de ambos ficou no gramado durante 120 minutos mais os pênaltis. Uma guerra tão linda que é impossível citar um só herói ou algum vilão.
Ambas as opções são válidas. O debate é rico e só acrescenta ao entendimento maior desse esporte. É o único lugar em que se dane o “contrato social”. Estamos, uma vez envolvidos, jogados ao destino da bola entrar ou não. Por essas e outras seja talvez o porquê do quão apaixonante é o futebol.

Um comentário:

  1. Parabéns Ricardo, texto de alta qualidade, com analogias muito bem colocadas e com coerência de pensamento. Fazer um texto citando Rousseau e concluindo-se com Futebol, Nossa! É o primeiro que vejo com pleno sentido. Sensacional!
    Por Gabriel Hypolito

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