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domingo, 29 de janeiro de 2012
Crônica dos pés descalços
O campo improvisado na rua, o chão de paralelepípedo, os gols marcados com tijolos, os pés descalços. O jogo de bola com os amigos de rua depois do colégio, ainda com o uniforme. Sua melhor amiga, no entanto, é a bola, de gomos e já bem surrada - confidente, leal, íntima. O amor pelo futebol e pela velha e redonda amiga é o mais puro possível. Não prevê futuro, nem mesmo o dia de amanhã, a salvo que sabe que jogará bola na rua como em todos os dias de sua vida. Não prevê o futuro nem imagina as responsabilidades que carrega. Não faz ideia que sua perna esquerda será a salvação de sua família - a bem dizer da mãe, uma vez que nunca conheceu seu pai, que fugiu enquanto ele era um bebê. Seu talento, daqui a uns anos, será o sustento e a tranquilidade de todos, menos a sua. À mercê de um empresário inescrupuloso, mas de boa lábia, ganhará todo o dinheiro possível, agora desfilando por belos gramados europeus, envergando a camiseta de um dos clubes mais tradicionais do planeta bola. Não mais os pés descalços, mas chuteiras coloridas, de marca. E sem perceber, perderá tão logo a paixão de outrora pelo jogo quanto é rápida sua ginga em campo. O tratamento com a bola não será mais o mesmo; o tempo desgastara a amizade, gerara atritos e a espontaneidade da relação por fim acabou. O amor morreu, assim como o menino moleque que aprontava das suas num campinho improvisado na rua de casa. Assim como os sonhos de quem nunca pode sonhar por si.
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