Vai além do grená no escudo e na camisa; vai além da relação latente com o clube que amo. O Torino é uma força que renasceu após a Tragédia de Superga, reforçando laços entre camisa e cidade de Turim. Uma vez maior da Itália, pentacampeão nacional, base absoluta da seleção azzura... encerrado num desastre que culminou com a perda de todos os seus atletas, do Grande Torino.
Renasceu parcialmente - por mais que esteja ainda na elite, o Torino não passa de uma força periférica. Naquela década de 1940, dominava o país da bota e não dominava a Europa apenas por ausência de uma competição integrada - assim, vivia de excursões, demonstrando o melhor futebol do planeta continente afora, o futebol em pleno estado de arte.
De uma das excursões veio a tragédia, que pôs o ponto final na linda jornada.
O Torino desde então vive altos e baixos em sua história, vendo a irmã Juventus dominar as vitórias nacionais e sua relevância ficar às sombras. Então, como uma homenagem, vamos de "quatro de maio de mil novecentos e quarenta e nove", duas temporadas jogadas em homenagem aos heróis grenás.
Nas temporadas abaixo, o espírito de Valentino Mazzola esteve no coração de Andrea Belotti. Ambos atacantes, ambos capitães, ambos ídolos incontestáveis da torcida granata e ambos preteridos por sua seleção. Assim como a Basílica de Superga foi reconstruída e segue firme, a reconstrução agora é sólida como os novos muros que mantém erguida a tradicional igreja de Turim.
2020/2021...
O primeiro ano foi de plantação - seria ousado demais imaginar que um clube de tabela média-baixa, com eventuais riscos de rebaixamento, bateriam de frente com os atuais gigantes. Juventus, Inter, Milan, Napoli, Roma, Lazio, Atalanta... todos hoje são mais fortes que o clube grená.
Todavia isso não foi limite para Castro e companhia. Investindo num sistema defensivo forte e na manutenção da posse de bola, o Torino aconteceu. Não o bastante para celebrar títulos, mas o suficiente para se recolocar numa prateleira mais alta.
Dói a perda do campeonato, na penúltima rodada, justamente para a Juventus. E ainda por míseros 3 pontos, desperdiçados na reta final da competição: ao longo de 38 rodadas do Calcio, 84 x 87 pontos da Vecchia Signora.
O segundo melhor ataque da competição (70) e terceira melhor defesa (32) mostraram que o caminho é correto, mas ainda falta algo.
Pelo Coppa da Itália, um relevante 0x4 perante a Lazio deixou o time cabisbaixo ao meio da temporada, mas também colaborou para se concentrar e chegar ao vice-campeonato nacional já mencionado.
E à medida necessária, na dificuldade, que se criaram os novos heróis. Andrea Belotti foi capitão no ano e conquistou prêmios individuais da artilharia e passes para gol (21 e 13, respectivamente) no Calcio. Salvatore Sirigu foi o goleiro menos vazado, protegendo perfeitamente sua meta em 19 das 38 - todas - partidas disputadas.
Diferente do histórico time, ofensivo por natureza e destacado sempre por isso, esse Torino teve lastro defensivo mais forte. Num 5-4-1, evitando exposição, passou 23/45 jogos no ano sem sofrer gols, empatando 20% de todas as partidas.
Com Sirigu na meta, a linha defensiva tinha Nuno Mendes, Tomiyasu, Nkoulou, Lyanco e Rodriguez. Três volantes: Rincon, Meite e Lokonga. Verdi ou Zaniolo na armação e Belotti no comando de ataque.
Rincon, na verdade, foi uma peça fundamental para o balanço da equipe. Boa parte das partidas ruins na temporada aconteceram na ausência do camisa 8, já veterano.
A defesa teve alguns lapsos, mas no geral, muito firme. E o ataque careceu de criatividade, algo que deveria mudar para o ano seguinte.
Como dito, uma temporada de plantação. A colheita viria na próxima.
Mazzola... "Quando se fala em Grande Torino, o primeiro nome que vem à cabeça é Valentino Mazzola. Atacante símbolo e capitão daquela equipe, ele foi um dos maiores jogadores da história do futebol italiano, capaz de carregar um time inteiro em suas costas, como bem definiu anos mais tarde o técnico Enzo Bearzot. Um atleta especial, que conhecia muito de tática e, assim como outros que elevaram o nível do Torino, tinha grande preocupação com a preparação física. Além disso, era muito passional e extravasava como um torcedor nas vitórias e derrotas. Assim, não demorou para ganhar o coração da torcida granata. O escritor Gian Paolo Ormezzano costumava dizer que ele era a personificação do Toro." (Texto adaptado de Calciopedia)
2021/2022...
Ah, o doce sabor da tríplice coroa! Coppa Itália, Calcio e Champions League, que ano!
O saldo de aprendizado com os erros na temporada anterior foi fundamental para o novo ano; porém, o saldo financeiro foi que permitiu uma equiparação leal aos principais concorrentes.
E tudo começou com um golpe forte: Giorgio Chiellini, ídolo da Juventus, fechou por duas temporadas com o arquirival Torino. Uma aula de bastidores que trouxe à memória a vinda do eterno Gabetto, um dos maiores ídolos de ambas torcidas e que migrou da Vecchia Segnora ao Toro.
Com as novas possibilidades, desembarcaram, no lado grená de Turim, nomes como Pavard, Tonali, Tchouameni, Berardi e Vlahovic. Nomes que tranquilamente poderiam reforçar os gigantes italianos ou até mesmo da Premier League ou La Liga.
O Calcio, como sempre, fora disputadíssimo. Permanecendo entre 3° e 6° lugar durante todo o primeiro turno, o segundo foi de arrancada e consequente título na 37ª rodada, em casa contra a Inter. Mantendo uma estabilidade enorme, o time conquistou 87 pontos, com 91 gols feitos e apenas 26 sofridos.
Pela Coppa Itália, numa jornada de apenas cinco jogos, a final foi contra a algoz Lazio - time que os eliminara no ano seguinte. E o troco veio exatamente como necessário: 4x0 na final, todos gols marcados ainda na primeira etapa.
Na Champions League, por sua vez, que o Torino foi tratado como zebra. Na fase de grupos, considerado a terceira força (atrás de Real Madrid e Arsenal), o time conquistou a primeira posição - incluindo uma belíssima vitória em pleno Santiago Bernabeu na rodada de estreia. E a liderança permitiu que o clube mandasse todos os jogos de volta em sua casa.
Apesar das duas vitórias por 2x1 contra o Tottenham, em jogos muitos disputados pelas oitavas, foi nas quartas-de-final que o time definitivamente se encontrou: nos dois jogos contra o Bayern, do então artilheiro da competição (Lewandowski), duas vitórias por 2x0 - em ambas partidas, com atuações magníficas do sistema defensivo, dobrando em todas as marcações e não permitindo um único chute do atacante polonês.
Mesmo passando pelo principal time europeu do momento, o duelo das semifinais foi considerado o embate entre zebras - Torino x Real Sociedad. Os dois times, de médio porte, já eram os principais expoentes de seus países na temporada. Entretanto, o time italiano se sentia favorito e, no agregado, conseguiu o placar de 3 x 2.
Chegando à final, no Wanda Metropolitano, o último desafio do ano era contra o poderoso Manchester City. Favorito nas casas de apostas, o time de Guardiola desde o primeiro minuto acampou no campo de defesa italiano, sempre com sete ou oito jogadores no último terço do campo; porém o time grená estava preparado, estudou muito o adversário: com triangulações rápidas, sobretudo de Tonali e os três homens da frente, o placar foi aberto com 7' de jogo - e o 2x0 chegou antes dos 20'. Mesmo com Aguero descontando, o time manteve o ritmo e a dedicação, alcançando o fatal 4x1 (Berardi, Belotti, Nkoulou e Zaniolo).
Uma temporada perfeita, perfeita. Uma tríplice coroa das mais merecidas da história.
O sistema defensivo já era visto na mídia como um dos mais memoráveis da história recente italiana, quase revolucionário na ocupação de espaços. Chiellini e Nkoulou tiveram uma temporada absolutamente irrepreensível, que seria elogiada pelo eterno Rigamonti, principal defensor daquele granata; o ataque posicional, explorando as melhores características de seus atletas, fez das triangulações, ultrapassagens e capacidade de finalização, características como as de Loik, Gabetto e Mazzola, o ataque fulminante que fez jus àqueles da década de 1940 - agora com Zaniolo, Berardi e Belotti.
Foram 61 partidas na temporada, com 136 gols e 41 apenas tomados.
Individualmente, Sirigu conseguiu 34 clean sheets em 58 partidas disputadas.
Para Belotti, um capítulo à parte: artilheiro e assistente do Calcio (28 gols e 16 assistências), Coppa Itália (4 e 5, respectivamente) e também da Champions (9 e 5, respectivamente). Ou seja, sua tríplice coroa particular.
Se ambos são aqui exaltados, o time-base precisa ser apresentado: Sirigu; Tomiyasu, Pavard (Lyanco), Nkoulou, Chiellini e Rodriguez; Meite, Tonali, Zaniolo e Berardi; Belotti.
Ansaldi e Rincon, em temporada de aposentadoria, foram fundamentais à rotação do elenco. Assim como Nuno Tavares, Nuno Mendes, Verdi, Bremer, Lokonga, De Ketelaere e tantos mais.
Com a tríplice coroa, a carreira no Torino está completa, a missão está executada: exaltar e eternizar o legado daqueles que fizeram do clube grená de Turim um dos mais inesquecíveis da história. Aos heróis de 1949, muito obrigado!
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